‘Setor privado fará em 5 anos o que público fez em 20 ao negro’, diz José Vicente

Fonte: METRO JORNAL
Link: https://www.metroworldnews.com.br/foco/2020/10/05/setor-privado-negro-jose-vicente.html
Polêmicas em processos seletivos de órgãos e universidades públicas desde 2000, as ações afirmativas para negros alcançam neste ano também o setor privado. A mais audaciosa delas veio do Magazine Luiza no mês passado, ao iniciar seu programa de trainees voltados apenas para negros. A ação foi denunciada por discriminação a outras raças ao Ministério Público, e o órgão precisou vir a público legitimar o programa.
Na liderança das novas práticas para incluir o negro está o Movimento AR, coordenado pelo reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente. O grupo surgiu em junho, um mês após a morte do norte-americano George Floyd, sufocado pelo joelho de um policial branco e que acendeu a fagulha de movimentos pela vida negra em todo o mundo com suas últimas palavras: “Eu não posso respirar”. Em entrevista ao Metro World News, Vicente conta o que tem sido feito para reduzir diferenças sociais entre negros e brancos.
O que é o Movimento AR e por que foi criado? Vamos completar 90 dias de vida. A preocupação central era o profundo grau de exclusão do jovem negro, seja no mercado de trabalho, no espaço cultural e social, além da relação com a polícia. Tínhamos o caso dos nove meninos levados a morte pisoteados no baile funk em Paraisópolis, na cidade de São Paulo [em dezembro do ano passado]. É grande o número de jovens negros mortos pela polícia.
Tudo isso tinha chegado numa situação que nosso grupo de professores, núcleos de estudos e grande parte das instituições de direitos humanos se colocaram preocupados. O discurso de ódio é muito intenso no governo. Com isso, aumentou o grau de hostilização e violência e o jovem negro é o principal alvo. Dentro de uma perspectiva de 12 milhões de desempregados, quase 70% são negros. A compreensão era a seguinte: se a gente não se levantar para denunciar e construir uma agenda para minimamente atacar os focos dessas ações, seremos coniventes.
Os números são terríveis: cerca de 70% dos jovens que abandonam as escolas no ensino médio são negros. Coincidentemente, quando começamos as interlocuções ocorreu o episódio George Floyd. O que estava caminhando ganhou o reforço da opinião pública e criou necessidade de posicionamento.
O que significa o nome Movimento AR? Movimento AR, Nós Queremos Respirar. Ele partiu do pressuposto de que temos um joelho invisível que está na jugular de todo negro neste país. E esse joelho se manifesta na ação da polícia, no racismo estrutural, no ambiente de trabalho, da cultura. Logo, para alcançarmos esse objetivo de ser país com tratamento igualitário, seria necessário tirar esse joelho do pescoço do negro e permitir que ele respirasse.
Quais são as propostas? São 10 ações, que vão desde o fim da violência policial, mercado de trabalho, qualificação de pessoas e instituições sobre as dimensões do racismo, implantação da história do negro em sala de aula. Também pensamos em cidades que contemplem o negro. Em vez de derrubar estátuas, colocar as dos negros também. Ao mesmo tempo criar fundo para poder minimamente ajudar os jovens.