Educação antirracista

Fonte: O GLOBO
Link: https://oglobo.globo.com/opiniao/educacao-antirracista-24771424
O assassinato de João Alberto Freitas escancarou mais uma vez os efeitos sombrios de uma sociedade estruturalmente racista. O episódio engrossa a fileira de mortes emblemáticas no Brasil.
O racismo brasileiro não só existe, como revela sua face mais perigosa ao se esconder sob o mito da democracia racial. Essa constatação é tão inegável quanto o peso da educação como agente ativo para enfrentar o histórico racismo estrutural e acelerar a inclusão da população negra.
A desigualdade social tem um peso enorme na segregação racial no país. Mas ela não explica este assassinato ou outros ocorridos este ano, como o de Rogério Ferreira da Silva Júnior, morto a tiros por policiais militares em São Paulo no dia de seu aniversário, ou o de Gustavo Amaral, também morto a tiros, por PMs do Rio Grande do Sul em 19 de abril.
Há uma história de brutalidade sendo contada diariamente, e ela torna mais frágil a vida de negros e pobres, mesmo quando sua única ousadia é ir à escola, como nas mortes de João Pedro, de 14 anos, ou da menina Ágatha, de 8, vítimas da violência endêmica nas favelas do Rio de Janeiro. Nesses e noutros casos, se sobrepõem racismo e exclusão social.
Alguns dados confirmam isso. Segundo o Atlas da Violência, 75,5% dos assassinados no Brasil eram negros em 2017. Negros ganham menos: segundo o IBGE, o rendimento médio era de R$ 934 em 2018. Brancos ganhavam quase o dobro.
A desigualdade racial também está presente na trajetória escolar. Segundo levantamento do Todos Pela Educação, aproximadamente 60% dos negros de 19 anos tinham concluído o ensino médio em 2019. Entre os brancos, foram 75%. A disparidade é reflexo da desigualdade no desempenho adequado ao longo dos anos.
A união dessas evidências demonstra que agimos pouco por meio de políticas educacionais que intencionalmente impulsionem as trajetórias da população negra. E, dessa forma, mais compactuamos com as desigualdades estruturais que estarão fadadas a ser prorrogadas por anos, num círculo vicioso.
A educação, por si só, não resolve nosso racismo estrutural. Uma boa e completa formação escolar não apaga as manchas da herança da escravatura.
Mas a educação é parte fundamental da solução e, se acompanhada de políticas de combate à desigualdade e de valorização da diversidade, torna-se instrumento de rompimento da perpetuação do privilégio branco. Por isso, é fundamental termos uma educação antirracista, capaz de assegurar a visibilidade negra, fortalecer suas referências na escola de forma permanente e transversal e refazer tendências históricas de um sistema que relega alunos negros à condição de segunda classe.
Essa é uma missão que demarcará o futuro de uma sociedade que precisa ver menos fins trágicos como os de João Alberto, João Pedro e Ágatha, e muito mais vidas-símbolo como Enedina Marques, Mílton Santos, Ruth Guimarães e outras negras e negros que conquistaram espaço de destaque em seus campos de saber com o apoio da educação.
Priscila Cruz é presidente-executiva do Todos Pela Educação. José Vicente é reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e presidente da Sociedade Afro-brasileira de Desenvolvimento Sociocultural